A Suficiência e a Perspicuidade (Clareza) das Sagradas Escrituras em Atos dos Apóstolos

A Confissão de Fé de Westminster ensina a doutrina da suficiência da Escritura como regra de fé e prática:

Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela.” (Confissão de Fé de westminster, 1:6)

E ensina também a doutrina da perspicuidade  (clareza) da Escritura:

“Na Escritura, não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo modo evidentes a todos (2 Pedro 3:16); contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou outro lugar da Escritura são tão claramente apresentadas e explicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas (Salmo 119:109,130)”. (Confissão de Fé de Westminster 1:7)

Tanto a suficiência quanto a perspicuidade da Escritura são doutrinas apresentadas no livro de Atos:

1. No primeiro capítulo de Atos, os doze apóstolos são apresentados como as testemunhas oficiais de Jesus – de quem Jesus é, do que ele realizou e do que ele ensinou (Atos 1:2-3, 8, 21-22, 26). É por isso que, no capítulo 2, a doutrina de Cristo é chamado de “doutrina dos apóstolos” (Atos 2:42). Não é chamada assim porque tem origem nos próprios apóstolos, mas porque os apóstolos foram oficialmente enviados por Cristo para transmitir sua doutrina ao mundo (João 14:26; 15:26-27; 17:20; Mateus 28:16-20; Atos 1:2-3, 8, 21-22, 26). Posteriormente, Paulo foi acrescentado ao número dos apóstolos (cf. Atos 9).

2. Em todo o livro de Atos, sempre que lemos um sermão dos apóstolos, o conteúdo do que eles ensinavam no sermão era sempre verdades que já tinham sido reveladas na Escritura do Velho Testamento e que eles eram capazes de provar através dos livros no Velho Testamento. Em outras palavras, sempre que os apóstolos se apresentavam como testemunhas de Jesus – de quem ele era, do que ele fez e do que ele ensinou – eles sempre enfatizavam que as coisas que eles diziam sobre Cristo e sobre a doutrina de Cristo já estavam completamente contidas na Escritura do Velho Testamento. Podemos constatar isso desde o primeiro sermão de Atos, que foi o sermão de Pedro no dia de Pentecostes:

ATOS 2
(14) Pedro, porém, pondo-se em pé com os onze, levantou a sua voz, e disse-lhes: Homens judeus, e todos os que habitais em Jerusalém, seja-vos isto notório, e escutai as minhas palavras.
(15) Estes homens não estão embriagados, como vós pensais, sendo a terceira hora do dia.
(16) Mas isto é o que foi dito pelo profeta Joel:
(17) E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, Que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; E os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, Os vossos jovens terão visões, E os vossos velhos terão sonhos;
(18) E também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e as minhas servas naqueles dias, e profetizarão;
(19) E farei aparecer prodígios em cima, no céu; E sinais em baixo na terra, Sangue, fogo e vapor de fumo.
(20) O sol se converterá em trevas, E a lua em sangue, Antes de chegar o grande e glorioso dia do Senhor;
(21) E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
(22) Homens israelitas, escutai estas palavras: A Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós com maravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio de vós, como vós mesmos bem sabeis;
(23) A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos;
(24) Ao qual Deus ressuscitou, soltas as ânsias da morte, pois não era possível que fosse retido por ela;
(25) Porque dele disse Davi: Sempre via diante de mim o Senhor, Porque está à minha direita, para que eu não seja comovido;
(26) Por isso se alegrou o meu coração, e a minha língua exultou; E ainda a minha carne há de repousar em esperança;
(27) Pois não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu Santo veja a corrupção;
(28) Fizeste-me conhecidos os caminhos da vida; com a tua face me encherás de júbilo.
(29) Homens irmãos, seja-me lícito dizer-vos livremente acerca do patriarca Davi, que ele morreu e foi sepultado, e entre nós está até hoje a sua sepultura.
(30) Sendo, pois, ele profeta, e sabendo que Deus lhe havia prometido com juramento que do fruto de seus lombos, segundo a carne, levantaria o Cristo, para o assentar sobre o seu trono,
(31) Nesta previsão, disse da ressurreição de Cristo, que a sua alma não foi deixada na morte, nem a sua carne viu a corrupção.
(32) Deus ressuscitou a este Jesus, do que todos nós somos testemunhas.
(33) De sorte que, exaltado pela destra de Deus, e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis.
(34) Porque Davi não subiu aos céus, mas ele próprio diz: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita,
(35) Até que ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés.
(36) Saiba, pois com certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo.

Aqui o apóstolo Pedro pregou sobre a efusão do Espírito (que estava acontecendo naquele momento), sobre a crucificação, morte, ressurreição e ascensão de Cristo. Ele era testemunha ocular de todas essas coisas, mas seu sermão não foi baseado somente no que ele tinha visto. Para cada verdade que ele afirmou sobre Jesus e sobre o Espírito Santo, ele apresentou textos da Bíblia que falavam sobre as coisas que tinham acontecido e que estavam acontecendo. Ele citou Joel 2:28-32, Salmo 16:8-11 e Salmo 110:1. Todo o conteúdo do sermao de Pedro estava completamente contido na Escritura do Velho Testamento. O mesmo pode ser dito sobre absolutamente tudo o que os apóstolos ensinam no livro de Atos. Aliás, o mesmo também pode ser dito sobre a pregação de Filipe (Atos 8:26-35), que era evangelista (Atos 21:8). E quando lemos sobre a morte de Estevão, o diácono (Atos 6:8-15), podemos constatar que todo o seu discurso teve como base a Escritura do Velho Testamento (Atos 7:2-53), e que suas últimas palavras antes morrer (Atos 7:55-56) foram uma referência direta ao que está escrito no Salmo 110:1.

Essa gloriosa verdade, que pode ser constatada em cada capítulo de Atos, foi maravilhosamente proclamada por Paulo em seu julgamento perante o rei Agripa no final do livro. Leia com atenção:

ATOS 26
(1) Depois Agripa disse a Paulo: E permitido que te defendas. Então Paulo, estendendo a mão em sua defesa, respondeu:
(2) Tenho-me por feliz, ó rei Agripa, de que perante ti me haja hoje de defender de todas as coisas de que sou acusado pelos judeus;
(3) Mormente sabendo eu que tens conhecimento de todos os costumes e questões que há entre os judeus; por isso te rogo que me ouças com paciência.
(4) Quanto à minha vida, desde a mocidade, como decorreu desde o princípio entre os da minha nação, em Jerusalém, todos os judeus a conhecem,
(5) Sabendo de mim desde o princípio (se o quiserem testificar), que, conforme a mais severa seita da nossa religião, vivi fariseu.
(6) E agora pela esperança da promessa que por Deus foi feita a nossos pais estou aqui e sou julgado.
(7) À qual as nossas doze tribos esperam chegar, servindo a Deus continuamente, noite e dia. Por esta esperança, ó rei Agripa, eu sou acusado pelos judeus.
(8) Pois quê? julga-se coisa incrível entre vós que Deus ressuscite os mortos?
(9) Bem tinha eu imaginado que contra o nome de Jesus Nazareno devia eu praticar muitos atos;
(10) O que também fiz em Jerusalém. E, havendo recebido autorização dos principais dos sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e quando os matavam eu dava o meu voto contra eles.
(11) E, castigando-os muitas vezes por todas as sinagogas, os obriguei a blasfemar. E, enfurecido demasiadamente contra eles, até nas cidades estranhas os persegui.
(12) Sobre o que, indo então a Damasco, com poder e comissão dos principais dos sacerdotes,
(13) Ao meio-dia, ó rei, vi no caminho uma luz do céu, que excedia o esplendor do sol, cuja claridade me envolveu a mim e aos que iam comigo.
(14) E, caindo nós todos por terra, ouvi uma voz que me falava, e em língua hebraica dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura coisa te é recalcitrar contra os aguilhões.
(15) E disse eu: Quem és, Senhor? E ele respondeu: Eu sou Jesus, a quem tu persegues;
(16) Mas levanta-te e põe-te sobre teus pés, porque te apareci por isto, para te pór por ministro e testemunha tanto das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda;
(17) Livrando-te deste povo, e dos gentios, a quem agora te envio,
(18) Para lhes abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de Satanás a Deus; a fim de que recebam a remissão de pecados, e herança entre os que são santificados pela fé em mim.
(19) Por isso, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial.
(20) Antes anunciei primeiramente aos que estão em Damasco e em Jerusalém, e por toda a terra da Judéia, e aos gentios, que se emendassem e se convertessem a Deus, fazendo obras dignas de arrependimento.
(21) Por causa disto os judeus lançaram mão de mim no templo, e procuraram matar-me.
(22) Mas, alcançando socorro de Deus, ainda até ao dia de hoje permaneço dando testemunho tanto a pequenos como a grandes, não dizendo nada mais do que o que os profetas e Moisés disseram que devia acontecer,
(23) Isto é, que o Cristo devia padecer, e sendo o primeiro da ressurreição dentre os mortos, devia anunciar a luz a este povo e aos gentios.
(24) E, dizendo ele isto em sua defesa, disse Festo em alta voz: Estás louco, Paulo; as muitas letras te fazem delirar.
(25) Mas ele disse: Não deliro, ó potentíssimo Festo; antes digo palavras de verdade e de um são juízo.
(26) Porque o rei, diante de quem falo com ousadia, sabe estas coisas, pois não creio que nada disto lhe é oculto; porque isto não se fez em qualquer canto.
(27) Crês tu nos profetas, ó rei Agripa? Bem sei que crês.
(28) E disse Agripa a Paulo: Por pouco me queres persuadir a que me faça cristão!
(29) E disse Paulo: Prouvera a Deus que, ou por pouco ou por muito, não somente tu, mas também todos quantos hoje me estão ouvindo, se tornassem tais qual eu sou, exceto estas cadeias.

Aqui o apóstolo Paulo estava sendo julgado perante o rei Agripa por causa das acusações que os judeus vinham fazendo contra ele. Em sua defesa, ele começa falando sobre sua história de vida (v. 3-5). Depois, ele fala da época em que ele perseguia os cristãos (v. 9-11) e conta sobre como, em meio à perseguição que ele promovia, Jesus se revelou a ele no caminho de Damasco (v. 13-18). Quando Jesus se revelou a ele, ele foi comissionado por Jesus para ser um pregador do evangelho (v. 16-18). Com base nisso, ele argumenta que estava sendo injustamente perseguido e acusado pelos judeus (v. 19-21). Até aí, tudo o que Paulo contou foi o testemunho pessoal dele. Mas logo em seguida, ele argumenta que o rei Agripa não precisava simplesmente confiar na palavra dele. Ele diz: “Mas, alcançando socorro de Deus, ainda até ao dia de hoje permaneço dando testemunho tanto a pequenos como a grandes, não dizendo nada mais do que o que os profetas e Moisés disseram que devia acontecer” (v. 22). Quando Paulo diz, “os profetas e Moisés”, ele está se referindo às Escrituras do Velho Testamento (cf. Lucas 16:29,31; 24:27,44). Em outras palavras, eles estava dizendo que, em vez de confiar cegamente no que ele dizia, o rei Agripa poderia comparar o que Paulo ensinava com o que estava escrito no Antigo Testamento e, com base nisso, ele poderia constatar que tudo o que Paulo ensinava era o que a Escritura do Antigo Testamento já ensinava. É por isso que ele pergunta: “Crês tu nos profetas, ó rei Agripa? Bem sei que crês.” Ou seja, o que ele está dizendo é o seguinte: “Rei Agripa, se você crê nos profetas, você precisa crer no que eu ensino sobre Jesus, você precisa crer na minha doutrina, porque tudo o que eu ensino sobre Jesus já estava escrito na Bíblia do Antigo Testamento. Então, quem crê e concorda com os profetas, precisa crer e concordar comigo.”

As palavras de Paulo perante o rei Agripa são um maravilhoso resumo do que o livro de Atos já vinha mostrando desde os primeiros capítulos, que as coisas que os apóstolos diziam sobre Cristo e sobre a doutrina de Cristo já estavam completamente contidas na Escritura do Velho Testamento.

3. Além disso, também precisamos reconhecer que a doutrina dos apóstolos (que era a doutrina de Cristo) estava contida no Velho Testamento com tanta clareza que, mesmo sem ainda aceitar a autoridade de Cristo ou dos apóstolos, os oponentes dos apóstolos poderiam estudar a Escritura e chegar à conclusão de que os apóstolos estavam certos:

ATOS 18
(28) Porque com grande veemência, convencia publicamente os judeus, mostrando pelas Escrituras que Jesus era o Cristo.

ATOS 17
(10) E logo os irmãos enviaram de noite Paulo e Silas a Beréia; e eles, chegando lá, foram à sinagoga dos judeus.
(11) Ora, estes foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica, porque de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim.

Isso prova que estão errados aqueles que ensinam que a Escritura não pode ser lida e adequadamente compreendida à parte do magistério da Igreja. Em Atos dos Apóstolos, esses judeus ainda não aceitavam a autoridade de Pedro, de Paulo ou dos outros apóstolos, mas, mesmo sem ainda aceitar a autoridade dos apóstolos, eles podiam examinar as Escrituras e constatar que os apóstolos estavam certos. Isso prova que “as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou outro lugar da Escritura são tão claramente apresentadas e explicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas (Salmo 119:109,130)”. (Confissão de Fé de Westminster 1:7)

Ora, se tudo o que os apóstolos ensinavam já estava contido no Velho Testamento, se tudo o que eles testificavam de Cristo era o cumprimento do que o Velho Testamento já dizia sobre Cristo, e se essas coisas estavam tão claras no Velho Testamento que os judeus incrédulos eram incentivados a examinar o Velho Testamento para comprovar que os apóstolos estavam certos, então somos forçados a concluir que a Escritura completa, que inclui não só o Velho, mas também o Novo Testamento, é agora muito mais do que suficiente e ainda mais clara para revelar a nossa única regra de fé e prática. Se o Antigo Testamento somente contém toda a doutrina de Cristo, se o Antigo Testamento somente já era suficientemente claro para revelar Jesus, como poderíamos dizer que a Bíblia completa não é?

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