II Tessalonicenses 2:15 Refuta o Conceito Romano de Tradição Oral

“Então, irmãos, estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa.” (2 Tessaloniscenses 2:15)

Essa passagem é frequentemente citada por católicos romanos para defender que nem todas as verdades reveladas da fé cristã – verdades que devem ser cridas e obedecidas por todo o povo de Deus – se encontram nas Sagradas Escrituras, mas que algumas foram registradas por escrito na Bíblia e outras são transmitidas somente por tradição oral.

Antes de analisar se é realmente isso que 2 Tessaloniscenses 2:15 ensina, quero enfatizar que a posição das igrejas reformadas não é que não existe uma tradição oral. Tradição oral é aquilo que é transmitido oralmente, com a voz. Se eu explico oralmente o que os apóstolos ensinavam sobre a ressurreição, eu estou transmitindo uma doutrina apostólica oralmente. As igrejas reformadas historicamente defendem que a doutrina apostólica de fato é transmitida oralmente pela Igreja de geração em geração. Isso é tradição oral. O que nos diferencia da igreja romana é que nós cremos que o conteúdo da verdadeira tradição apostólica oral é o mesmo que está registrada por escrito na Bíblia. Ou seja, toda a doutrina apostólica está plenamente contida por escrito na Bíblia e, por isso, o que é pregado e ensinado oralmente pela Igreja pode ser demonstrado a partir das Sagradas Escrituras. A doutrina apostólica sobre a ressurreição dos mortos, por exemplo, é transmitida oralmente, de geração em geração, através da pregação dos mestres da Igreja, e nós podemos confirmar que essa tradição é verdadeiramente apostólica através dos escritos apostólicos do Novo Testamento. Então, não há problema nenhum com a ideia de que a doutrina apostólica é transmitida oralmente. Foi isso que Jesus mandou fazer antes de subir ao Céu: “E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura.” (Marcos 16:15) O erro de Roma não é simplesmente defender que as verdades da fé são transmitidas por uma tradição oral, mas é defender que há doutrinas que precisam ser cridas e obedecidas, mas que não estão contidas na Sagradas Escrituras.

Embora 2 Tessaloniscenses 2:15 seja muito citado por defensores do catolicismo romano, essa passagem, na verdade, refuta o conceito romano de tradição  oral. Primeiro, quando Paulo diz, “estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas“, ele não está se referindo a tudo que é ensinado por qualquer um, em qualquer lugar ou em qualquer época. Ele está se referindo especificamente ao que ele (Paulo), Silvano (também chamado de Silas) e Timóteo tinham ensinado aos tessalonicenses:

2 TESSALONISCENSES 1
(1) Paulo, e Silvano, e Timóteo, à igreja dos tessalonicenses, em Deus nosso Pai, e no Senhor Jesus Cristo.

2 TESSALONISCENSES 3
(6) Mandamo-vos, porém, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebeu.
(7) Porque vós mesmos sabeis como convém imitar-nos, pois que não nos houvemos desordenadamente entre vós,
(8) Nem de graça comemos o pão de homem algum, mas com trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós.
(9) Não porque não tivéssemos autoridade, mas para vos dar em nós mesmos exemplo, para nos imitardes.
(10) Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também.
(11) Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs.
(12) A esses tais, porém, mandamos, e exortamos por nosso Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando com sossego, comam o seu próprio pão.

Quando Paulo diz, “Mandamo-vos“, ele fala na primeira pessoa do plural porque Silvano e Timóteo estavam com ele e eram coautores da carta. No verso 10, ele fala do tempo em que eles estiveram em Tessalônica: “Quando ainda estávamos convosco…” Ele diz qual foi uma das coisas que eles ensinaram por palavra aos tessaloniscenses: “Vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também“. Ou seja, isso que eles tinham ensinado por palavra (oralmente) aos tessaloniscenses era o mesmo que ele estava agora repetindo por escrito. Em outras palavras, o fato de Paulo ensinar oralmente não significa que o conteúdo do que ele tinha ensinado oralmente era diferente do que era ensinado por escrito. Na verdade, quando analisamos o que o livro de Atos conta sobre essa viagem que eles fizeram à Tessalônica, fica claro que todo a doutrina que ele transmitiu oralmente aos tessaloniscenses já estava registrado por escrito nas Sagradas Escrituras:

ATOS 17
(1) E passando por Anfípolis e Apolônia, chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga de judeus.
(2) E Paulo, como tinha por costume, foi ter com eles; e por três sábados disputou com eles sobre as Escrituras,
(3) Expondo e demonstrando que convinha que o Cristo padecesse e ressuscitasse dentre os mortos. E este Jesus, que vos anuncio, dizia ele, é o Cristo.
(4) E alguns deles creram, e ajuntaram-se com Paulo e Silas; e também uma grande multidão de gregos religiosos, e não poucas mulheres principais.

O texto diz que quando eles “chegaram a Tessalônica”, Paulo foi até “a sinagoga dos judeus” (v. 1) e “por três sábados disputou com eles sobre as Escrituras” (v. 2) e, com base na Escritura, ele anunciava Jesus. Foi assim que a igreja da Tessalônica se formou: “E alguns deles creram, e ajuntaram-se com Paulo e Silas; e também uma grande multidão de gregos religiosos, e não poucas mulheres principais.”

Pergunta: Quando Paulo escreveu aos tessaloniscenses, “estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra“, referindo-se ao que ele tinha pregado na Tessalônica quando ele esteve lá, o conteúdo da sua pregação era algo que não existia na Escritura ou era algo que estava contido e poderia ser provado através da Escritura ?

Resposta: “Por três sábados disputou com eles sobre as Escrituras, expondo e demonstrando que convinha que o Cristo padecesse e ressuscitasse dentre os mortos” (Atos 17:2-3).

Ou seja, quando Paulo fala, em 2 Tessaloniscenses 2:15, sobre sua pregação oral, ele não estava se referindo à verdades da fé cristã que tinham que ser cridas e obedecidas e que não existiam na Escritura, mas exatamente o contrário. Os tessaloniscenses tinham que crer naquelas verdades que ele tinha ensinado oralmente porque, quando ele esteve na Tessalônica, ele provou que o que ensinava era verdade com base nas Sagradas Escrituras do Velho Testamento. Isso fica ainda mais claro quando lemos sobre o que acontece logo depois:

ATOS 17
(5) Mas os judeus desobedientes, movidos de inveja, tomaram consigo alguns homens perversos, dentre os vadios e, ajuntando o povo, alvoroçaram a cidade, e assaltando a casa de Jasom, procuravam trazê-los para junto do povo.
(6) E, não os achando, trouxeram Jasom e alguns irmãos à presença dos magistrados da cidade, clamando: Estes que têm alvoroçado o mundo, chegaram também aqui;
(7) Os quais Jasom recolheu; e todos estes procedem contra os decretos de César, dizendo que há outro rei, Jesus.
(8) E alvoroçaram a multidão e os principais da cidade, que ouviram estas coisas.
(9) Tendo, porém, recebido satisfação de Jasom e dos demais, os soltaram.
(10) E logo os irmãos enviaram de noite Paulo e Silas a Beréia; e eles, chegando lá, foram à sinagoga dos judeus.
(11) Ora, estes foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica, porque de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim.
(12) De sorte que creram muitos deles, e também mulheres gregas da classe nobre, e não poucos homens.

Por que os bereianos foram mais nobres do que os da Tessalônica? Porque, enquanto, na Tessalônica, somente “alguns” da sinagoga “creram” (Atos 17:4) e a maioria resistiu, os de Beréia “de bom grado receberam a palavra“, isto é, a pregação oral de Paulo, “examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim” (v. 11). Novamente, a ideia é que tudo o que Paulo pregava oralmente podia ser verificado na Escritura do Velho Testamento. Aliás, essa é uma das principais lições em todo o livro de Atos. Em todo o livro de Atos, sempre que lemos um sermão dos apóstolos, o conteúdo do que eles ensinavam era sempre as verdades doutrinárias que tinham sido reveladas na Escritura do Velho Testamento e que as pessoas poderiam comprovar examinando os livros no Velho Testamento. Isso é verdade para o Novo Testamento inteiro. Por exemplo, quando o apóstolo Mateus ensinou a doutrina da concepção virginal e contou que Cristo nasceu de uma virgem, ele estava ensinando uma doutrina que estava contida na Escritura do Velho Testamento (Isaías 7:14). Assim também, quando lemos as cartas dos apóstolos do Novo Testamento, não é possível encontrar nenhuma doutrina que já não estivesse contida na Escritura do Velho Testamento. Como bem explicou João Calvino:

“Aqui, porém, suscita-se uma pergunta. Ao falar da Escritura, Paulo tinha em mente o que chamamos Velho Testamento; como é possível dizer que ele pode fazer uma pessoa perfeita? Se esse é o caso, o que depois foi ascrescentado pelos apóstolos é aparentemente supérfluo. Minha resposta é que, no que tange à substância da Escritura, nada se acrescentou. Os escritos dos apóstolos nada contém além de simples e natural explicação da lei e dos profetas jutamente com uma clara descrição das coisas expressas neles. Paulo, pois estava certo ao celebrar os louvores da Escrituras nesses termos; e visto que hoje seu ensino é mais completo e mais claro pela adição do evangelho, devemos confiadamente esperar que a utilidade da qual Paulo fala se nos torne muito mais evidente, caso estejamos dispostos a fazer a prova e a recebê-la.” (João Calvino, Comentário de 2 Timóteo 3:17)

Mas não é suficiente crer que toda a doutrina apostólica já estava substancialmente contida na Escritura do Velho Testamento. Também precisamos reconhecer que a doutrina dos apóstolos (que era a doutrina de Cristo) estava contida no Velho Testamento com tanta clareza que, mesmo sem ainda aceitar a autoridade de Cristo ou dos apóstolos, os oponentes dos apóstolos poderiam estudar e examinar a Escritura e chegar à conclusão de que os apóstolos estavam certos. Atos 17 prova que estão errados aqueles que ensinam que a Escritura não pode ser lida e adequadamente compreendida à parte do magistério da Igreja. Em Atos dos Apóstolos, esses judeus ainda não aceitavam a autoridade de Pedro, de Paulo ou dos outros apóstolos, mas eles podiam examinar as Escrituras e constatar que os apóstolos estavam certos.

Ora, se tudo o que os apóstolos ensinavam já estava contido no Velho Testamento, se tudo o que eles testificavam de Jesus era o cumprimento do que o Velho Testamento já dizia sobre Cristo, e se essas coisas estavam tão claras no Velho Testamento que os judeus incrédulos eram incentivados a examinar o Velho Testamento para comprovar que os apóstolos estavam certos, então somos obrigados a concluir que a Escritura completa, que inclui não só o Velho, mas também o Novo Testamento, é agora muito mais do que suficiente e ainda mais clara para revelar a nossa única regra de fé e prática. Se o Antigo Testamento sozinho já continha toda a doutrina de Cristo, se o Antigo Testamento sozinho já era suficientemente claro para revelar Jesus, como pode alguém dizer que a Bíblia inteira, estando agora completa, não é?

Sendo assim, quando Paulo diz, “estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa” (2 Tessaloniscenses 2:15), o verdadeiro sentido é o seguinte: “Estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas por nós, seja aquilo que pregamos oralmente quando estivemos pessoalmente na Tessalônica, com base na Escritura do Velho Testamento, seja por epístola nosssa”.

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