Sobre o Uso dos Salmos na Instrução Catequética e no Culto Público

Como explicamos em outro estudo, o Livro dos Salmos é o livro do Velho Testamento que o Novo Testamento cita com mais frequência. A palavra salmo vem do grego (ψαλμός – psalmos) e significa cântico. O Livro dos Salmos é uma coletânea de 150 cânticos inspirados por Deus.

Como cânticos dados diretamente pelo Espírito Santo,  os salmos podem ser usados como poderosas ferramentas para promover a instrução catequética. No século 16, Martinho Lutero escreveu:

“O Livro dos Salmos bem poderia ser chamado de pequena Bíblia. Mui bela e sucintamente, nele é abrangido tudo que se encontra em toda a Bíblia”. (Martinho Lutero, Prefácio ao Saltério Alemão de 1531)

Isso é o mesmo que já tinha sido ensinado por Atanásio de Alexandria no século 4:

“Toda a nossa Escritura, filho meu, tanto do Antigo como do Novo Testamento, é, tal como está escrito, inspirada por Deus e útil para ensinar (2 Timóteo 3:16). Porém, o livro dos Salmos, se feita uma reflexão atenta, possui algo que merece uma especial atenção. Cada um dos livros, com efeito, nos oferece e nos entrega seu próprio ensinamento: O Pentateuco, por exemplo, relata o começo do mundo e a vida dos Patriarcas, a saída de Israel do Egito, como também a entrega da Lei. O Triteuco relata a distribuição da terra, as façanhas dos Juízes, como também a genealogia de Davi. Os livros dos Reis e das Crônicas relatam os feitos dos reis. Esdras descreve a libertação do cativeiro, o retorno do povo, a reconstrução do templo e da cidade. Os livros dos Profetas predizem a vinda do Salvador, recordam os Mandamentos, advertem e exortam aos pecadores, como também profetizam acerca das nações. O livro dos Salmos é como um jardim em cujo solo crescem todas estas plantas…” (Atanásio de Alexandria, Carta a Marcelino sobre a Interpretação dos Salmos)

Se é verdade que o livro dos Salmos é uma “pequena Bíblia” porque “nele é abrangido tudo que se encontra em toda a Bíblia” (Martinho Lutero), então o canto dos salmos deve ser utilizado como uma ferramenta de instrução catequética para ensinar as doutrinas fundamentais do Cristianismo. Por exemplo, uma das doutrinas fundamentais do Cristianismo é a doutrina da justificação pela fé. Para ensinar a doutrina da justificação pela fé, um pastor pode expor Romanos 3-4. Porém, além de expor Romanos 3-4, ele pode ensinar os catecúmenos a cantar o Salmo 32, pois esse é um dos principais salmos que ensinam a doutrina da justificação pela fé (cf. Romanos 4:6-8). Se o Espírito Santo nos deu um cântico – o Salmo 32 – que fala sobre a doutrina da justificação, então ele quer que cantemos sobre a doutrina da justificação pela fé, utilizando as palavras exatas do cântico que ele deu.

Há passagens bíblicas que mostram que os apóstolos utilizavam o Livro dos Salmos exatamente dessa forma: na instrução catequética.  Nas epistolas às igrejas de Éfeso e de Colosso, Paulo mandou que o povo cantasse os cânticos do livro dos Salmos (Efésios 5:18-21; Colossenses 3:16-17). Essa ordem pressupõe que quando o Evangelho inicialmente chegou em Éfeso e em Colosso (Atos 18:19-20, 24-28; 19:1-41), os primeiros convertidos dessas cidade foram ensinados a cantar salmos. Os judeus já tinham essa prática, mas aqueles que se convertiam do paganismo precisavam ser ensinados (Atos 19:26). Eles não teriam como obedecer a ordem para cantar (Efésios 5:18-21; Colossenses 3:16-17) sem alguma instrução anterior. Na epístola aos Efésios, Paulo enfatiza que o canto dos salmos era um meio de se encher do Espírito: “E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito; falando entre vós em salmos…” (Efésios 5:18-19) Na epístola aos Colossenses, ele enfatiza que o canto dos salmos era um meio de internalizar a instrução da Palavra de Deus: “A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos…” (Colossenses 3:16). Se os salmos eram cantados para fazer com que a palavra de Cristo habitasse abuntantemente em seus corações, isso significa que quando os apóstolos citavam salmos para explicar e defender uma doutrina, ele estavam citando trechos dos hinos que eram cantados pelo povo. Por exemplo, quando o apóstolo Paulo quis falar sobre a doutrina da Trindade Santíssima  e explicar que Cristo é Deus (Hebreus 1:8-9) ele citou o Salmo 45:6-7. Com isso, ele não estava simplesmente citando mais um livro da Bíblia. Ele estava citando um hino que era regularmente cantado na igreja e e estava explicando o significado das palavras daquele hino. Ele estava dizendo que aquela parte do hino era sobre a divindade de Cristo. Isso mostra que os apóstolos utilizavam os cânticos do livro dos Salmos como um instrumento de instrução catequética. Ou seja, além de ensinar as doutrinas do Cristianismo através da pregação, eles ensinavam as igrejas a cantar os salmos para que, através do canto, as verdades que tinham sido ensinadas na pregação fossem fixadas na mente, internalizadas no coração (Colossenses 3:16).

O Senhor Jesus ensinou que não é suficiente que a palavra pregada seja escutada com os ouvidos físicos. É necessário que a palavra pregada finque raízes profundas no coração (Mateus 13:1-9, 18-23). Além disso, Jesus advertiu que, quando ouvimos a palavra sendo pregada,  demônios se esforçam para tentar impedir que isso aconteça: “Ouvindo alguém a palavra do reino, e não a entendendo, vem o maligno, e arrebata o que foi semeado no seu coração; este é o que foi semeado ao pé do caminho” (Mateus 13:9). Ou seja, há uma guerra espiritual em que o reino de Satanás tenta nos impedir de fincar as verdades da palavra de Cristo em nossos corações. Satanás quer que nos esqueçamos das verdades espirituais que lemos e ouvimos. Se é assim, então o livro dos Salmos é uma importante arma nessa guerra. Se os salmos são instrumentos ordenados por Deus para fazer com que a palavra de Cristo habite ricamente em nossos corações (Colossenses 3:16), isto é, para fazer com que sua palavra finque raízes profundas em nossas mentes (Mateus 13:23), então os salmos são poderosíssimas armas nessa guerra contra Satanás.

Isso explica porque o livro dos Salmos é citado com tanta frequência em todo o Novo Testamento. Quando os apóstolos citam os salmos em suas cartas, eles estão citando os hinos que eram utilizados como instrumentos do Espírito Santo para fixar aquelas doutrinas nos corações dos irmãos.  Por exemplo, quando o apóstolo explica e defende a doutrina do sacerdócio de Cristo (Hebreus 2:17; 3:1; 4:14,15; 5:1,6-6,10,20; 7:1,3,11,15,17,21,26; 8:1,3-4; 9:7,11,25; 10:11,21), seus argumentos giram em torno do Salmo 110 (Hebreus 1:3; 5:6,10; 7:1,10-11,15,17,21; 8:1; 10:12-13). Sendo assim, o ato de cantar o Salmo 110 é um instrumento do Espírito Santo para fixar a doutrina do sacerdócio de Cristo em nossos corações, tornando nulos os esforços de Satanás para apagar essa doutrina de nossas mentes (Mateus 13:19).

Isso significa que, para purificarmos e renovarmos as nossas igrejas, não é suficiente que os púlpitos sejam purificados e renovados. É importante que a pregação seja pura. De fato, a pregação é o principal instrumento para fazer avançar o reino de Deus (1 Coríntios 1:17). Mas pregar não é suficiente. Precisamos dos cânticos do Espírito Santo como instrumentos para impedir (Colossenses 3:16) que a palavra ensinada se torne uma palavra esquecida (Mateus 13:19).

Como o livro dos Salmos é uma “pequena Bíblia“, pois “nele é abrangido tudo que se encontra em toda a Bíblia” (Martinho Lutero), é importante que, na instrução catequética, para cada doutrina que for ensinada, o catecúmeno seja ensinado a cantar um ou mais salmos que correspondem à doutrina que está sendo ensinada. Por exemplo, se o catecúmeno está sendo instruído sobre sobre a encarnação do Verbo, ele deve ser ensinado a cantar o Salmo 40 (Hebreus 10:7-9). Se o catecúmeno está sendo instruído sobre a pessoa e as naturezas de Cristo, ele deve ser ensinado a cantar o Salmo 45 (Hebreus 1:8-9). Se o catecúmeno está sendo instruído sobre a crucificação de Jesus, ele deve ser ensinado a cantar o Salmo 22 (Mateus 27:46). Se ele está sendo instruído sobre a ressurreição de Jesus, ele deve ser ensinado a cantar o Salmo 16 (Atos 2:25-32). Se ele está sendo instruído sobre a ascensão e sobre o reino de Cristo, ele deve ser ensinado a cantar o Salmo 110 (Atos 2:33-36). É assim que os apóstolos ensinavam as doutrinas do Cristianismo, sempre relacionando a doutrina a um cântico do livro dos Salmos. Por isso, o livro dos Salmos é citado com tanta frequência em todo o Novo Testamento. O ideal é que, ao terminar ao catecumenato, o catecúmeno tenha memorizado todos os 150 Salmos, sendo capaz de relacionar todos eles com as doutrinas cristãs que ele aprendeu. Assim, em quaisquer circunstâncias, ele será capaz cantar todos eles com entendimento (1 Coríntios 14:15).

No culto público, o canto também deve ser associado ao ensino. Como o livro dos Salmos “é como um jardim em cujo solo crescem” todos os tipos de “plantas” da Palavra de Deus (Atanásio de Alexandria), se a pregação realmente for bíblica, toda pregação terá salmos que correspondem ao assunto da pregação. Por exemplo, se um pastor vai expor Mateus 26:14-16, onde lemos sobre a traição de Judas, a igreja pode cantar o Salmo 109, que fala sobre o juízo de Deus contra Judas (cf. Atos 1:20). Se ele vai expor Mateus 27:11-26, onde lemos sobre o julgamento de Cristo perante Pôncio Pilatos, a igreja pode cantar o Salmo 2, que fala exatamente sobre os reis e príncipes da terra se voltando contra Cristo (Atos 4:24-30). Para toda pregação, há salmos que correspondem ao assunto da pregação. Ao memorizar o salmo e aprender a cantar, as verdades que foram ditas na pregação são fixadas com mais facilidade no coração (Colossenses 3:16).

2 pensamentos sobre “Sobre o Uso dos Salmos na Instrução Catequética e no Culto Público

  1. Frank, esta pergunta é tangencial ao texto, mas notei ali que vc assume que S. Paulo autorou a epístola aos hebreus. Estou familiarizado com essa hipótese, mas o que o faz afirmar com certeza? Vc já escreveu sovre isso?

    Em Cristo,
    Natan

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