A ética bíblica gira em torno do conceito de “coração” (Mateus 15:18-20). Portanto, entender o significado bíblico do coração é essencial para entendermos o que a Bíblia ensina sobre a natureza do pecado e sobre a natureza da santificação.
Em nossa cultura, é comum ouvirmos frases que comparam a cabeça com o coração, tratando a cabeça como o centro dos pensamentos, do raciocínio, do entendimento, e o coração como o centro dos sentimentos. Muitos dizem: “Não adianta ter a Palavra de Deus na cabeça e não tê-la no coração.” Ou então: “Não adianta ter a Palavra de Deus na mente, mas não tê-la no coração.” Contudo, todas essas comparações estão erradas porque, quando a Bíblia fala sobre o coração, não está falando primariamente sobre os sentimentos. Na Bíblia, o coração é a mente, a fonte dos pensamentos. Há literalmente centenas de passagens na Bíblia que provam isso. Vamos ler algumas:
“E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente.” (Gênesis 6:5)
“E o SENHOR sentiu o suave cheiro, e o SENHOR disse em seu coração: Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do homem; porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice, nem tornarei mais a ferir todo o vivente, como fiz.”(Gênesis 8:21)
“Então caiu Abraão sobre o seu rosto, e riu-se, e disse no seu coração: a um homem de cem anos há de nascer um filho? E dará à luz Sara da idade de noventa anos?” (Gênesis 17:17)
“E hoje cheguei à fonte, e disse: Ó SENHOR, Deus de meu senhor Abraão, se tu agora prosperas o meu caminho, no qual eu ando. Eis que estou junto à fonte de água; seja, pois, que a donzela que sair para tirar água e à qual eu disser: Peço-te, dá-me um pouco de água do teu cântaro; e ela me disser: Bebe tu e também tirarei água para os teus camelos; esta seja a mulher que o SENHOR designou ao filho de meu senhor. E antes que eu acabasse de falar no meu coração, eis que Rebeca saía com o seu cântaro sobre o seu ombro, desceu à fonte e tirou água; e eu lhe disse: Peço-te, dá-me de beber.” (Gênesis 24:45)
Falar no coração significa pensar. Ou seja, o sentido é que o servo de Abraão orou em pensamento (não audivelmente) porque o coração é a mente.
“Depois tu farás chegar a ti teu irmão Arão, e seus filhos com ele, do meio dos filhos de Israel, para me administrarem o ofício sacerdotal; a saber: Arão, Nadabe, e Abiú, Eleazar e Itamar, os filhos de Arão. E farás vestes sagradas a Arão teu irmão, para glória e ornamento. Falarás também a todos os que são sábios de coração, a quem eu tenho enchido do espírito da sabedoria, que façam vestes a Arão para santificá-lo; para que me administre o ofício sacerdotal.” (Êxodo 28:1-3)
A sabedoria de coração é a capacidade mental/intelectual de fazer. É o entendimento de como fazer. Não é algum tipo de sentimento. Como está escrito também:
“E eis que eu tenho posto com ele a Aoliabe, o filho de Aisamaque, da tribo de Dã, e tenho dado sabedoria ao coração de todos aqueles que são hábeis, para que façam tudo o que te tenho ordenado.” (Êxodo 31:6)
“Tão-somente guarda-te a ti mesmo, e guarda bem a tua alma, que não te esqueças daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e não se apartem do teu coração todos os dias da tua vida; e as farás saber a teus filhos, e aos filhos de teus filhos.” (Deuteronômio 4:9)
Quando ele diz, “não se apartem do teu coração“, o sentido é equivalente ao que é dito imediatamente antes, “não te esqueças“. Como o coração é a mente, “não se apartar do coração” significa “não deixar de pensar sobre o assunto“, ou seja, “não se esquecer“.
“Por isso hoje saberás, e refletirás no teu coração, que só o SENHOR é Deus, em cima no céu e em baixo na terra; nenhum outro há. E guardarás os seus estatutos e os seus mandamentos, que te ordeno hoje para que te vá bem a ti, e a teus filhos depois de ti, e para que prolongues os dias na terra que o SENHOR teu Deus te dá para todo o sempre.” (Deuteronômio 4:39-40)
“Saber” e “refletir no coração” não é sentir, mas é pensar sobre o assunto em nossas mentes.
“Se disseres no teu coração: Estas nações são mais numerosas do que eu; como as poderei lançar fora?” (Deuteronômio 7:17)
Novamente, “dizer no coração” significa “pensar”.
“Sabes, pois, no teu coração que, como um homem castiga a seu filho, assim te castiga o SENHOR teu Deus.” (Deuteronômio 8:5)
“E tu, meu filho Salomão, conhece o Deus de teu pai, e serve-o com um coração perfeito e com uma alma voluntária; porque esquadrinha o SENHOR todos os corações, e entende todas as imaginações dos pensamentos; se o buscares, será achado de ti; porém, se o deixares, rejeitar-te-á para sempre.” (1 Crônicas 28:9)
“Esquadrinhar os corações” e “entender as imaginações dos pensamentos” não são duas coisas diferentes. É a mesma ideia sendo repetida mais de uma vez. Esse é um exemplo bíblico de sinonímia. A sinonímia é muito utilizada na Bíblia em uma só frase como forma de dar ênfase a um conceito. Exemplo: “Porquanto Abraão obedeceu à minha voz, e guardou o meu mandado, os meus preceitos, os meus estatutos, e as minhas leis” (Gênesis 26:5). “Mandado”, “preceitos”, “estatutos” e “leis” são a mesma coisa. Da mesma forma, em 1 Crônicas 28:9, “corações” e “imaginações dos pensamentos” são a mesma coisa.
“SENHOR Deus de Abraão, Isaque, e Israel, nossos pais, conserva isto para sempre no intento dos pensamentos do coração de teu povo; e encaminha o seu coração para ti.” (1 Crônicas 29:18)
“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus pensamentos.” (Salmo 139:23)
Novamente, aqui há um caso de sinonímia. “O meu coração” e “os meus pensamentos” são a mesma coisa. Como lemos também no profeta Jeremias:
“Lava o teu coração da malícia, ó Jerusalém, para que sejas salva; até quando permanecerão no meio de ti os pensamentos da tua iniquidade?” (Jeremias 4:13)
“E a mim me foi revelado esse mistério, não porque haja em mim mais sabedoria que em todos os viventes, mas para que a interpretação se fizesse saber ao rei, e para que entendesses os pensamentos do teu coração.” (Daniel 2:30)
“Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias.” (Mateus 15:18-19)
“Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviram de mau grado com seus ouvidos, e fecharam seus olhos; para que não vejam com os olhos, e ouçam com os ouvidos, e compreendam com o coração, e se convertam, E eu os cure.” (Mateus 13:15)
Novamente, aqui há um sinonímia. “Não ver“, “não ouvir” e “ter o coração endurecido” são três maneiras de dizer a mesma coisa: significa não compreender (mente). Em Mateus 13:15, os olhos, os ouvidos e o coração não são literais, mas são maneiras de se referir à mente, ao intelecto. Por isso, quando a Bíblia fala sobre o endurecimento de coração, a intenção não é primariamente falar sobre o que as pessoas sentem. A intenção é falar sobre o que as pessoas pensam. Biblicamente, um coração endurecido é uma mente que resiste ao entendimento correto da verdade. Como Paulo diz na Epístola aos Efésios:
“E digo isto, e testifico no Senhor, para que não andeis mais como andam também os outros gentios, na vaidade da sua mente. Entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração.” (Efésios 4:17-18)
Como lemos também no Evangelho:
“E Jesus, conhecendo isto, disse-lhes: Para que arrazoais, que não tendes pão? não considerastes, nem compreendestes ainda? tendes ainda o vosso coração endurecido?”(Marcos 8:17)
Como está escrito também:
“Mas os seus sentidos foram endurecidos; porque até hoje o mesmo véu está por levantar na leitura do velho testamento, o qual foi por Cristo abolido; e até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Mas, quando se converterem ao Senhor, então o véu se tirará.” (2 Coríntios 3:14-16)
O véu no coração na leitura do velho testamento significa que os judeus não eram capazes de entender mentalmente o que eles estavam lendo. Como eles não entendiam o verdadeiro sentido do Velho Testamento, eles não criam que Jesus era o Cristo.
Todas essas passagens (e muitas outras) mostram que quando a Bíblia fala sobre o coração, não está falando primariamente sobre os sentimentos. Está falando sobre a mente, sobre o intelecto, sobre os pensamentos. Isso não significa que os sentimentos não tenha relação com os pensamentos. A relação existe, os nossos pensamentos são acompanhados de sentimentos, mas os pensamentos são a questão primária.
Na segunda parte deste estudo, vamos falar mais sobre isso e também vamos falar sobre algumas implicações práticas de entender que o coração é a mente.