No dia 17 de agosto de 2018, o canal “Dois Dedos de Teologia” publicou um vídeo chamado “Jesus Foi Gerado? O Que Isso Significa?” Nesse vídeo, o pastor Yago Martins fala sobre a doutrina da geração eterna do Filho. Essa doutrina é a posição das igrejas reformadas (e do Cristianismo histórico de forma geral) sobre o significado de reconhecer Jesus Cristo como o Filho de Deus. Como Jesus disse a Pedro, reconhecer e confessar Jesus Cristo como o Filho de Deus (Mateus 16:16) é a confissão básica da fé cristã (v. 18). Portanto, toda discussão em torno da geração eterna do Filho é sempre uma discussão sobre um tema absolutamente fundamental, nunca é uma discussão de importância secundária.
A POSIÇÃO DAS IGREJAS REFORMADAS E DO CRISTIANISMO HISTÓRICO
O ensino do Cristianismo histórico e das igrejas reformadas encontra-se no Credo Niceno-Constantinopolitano:
CREMOS em um Deus, o Pai Todo-poderoso,
Criador do céu e da terra, e de todas as coisas, visíveis e invisíveis.CREMOS em um Senhor – Jesus Cristo, o Unigênito Filho de Deus,
gerado pelo Pai antes de todos os séculos,
Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus,
gerado não criado, de uma só substância com o Pai;
pelo qual todas as coisas foram feitas.
Por nós e por nossa salvação
desceu dos céus, foi feito carne pelo Espírito Santo da virgem Maria,
e se tornou verdadeiramente homem.
Foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos,
padeceu e foi sepultado.
No terceiro dia ressuscitou, conforme as Escrituras;
subiu ao Céu e assentou-se à direita do Pai.
De novo há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos,
e seu reino não terá fim.CREMOS no Espírito Santo, Senhor e Vivificador,
que procede do Pai e do Filho,
que com o Pai e o Filho é adorado e glorificado,
que falou através dos profetas.
Cremos na Igreja una, universal e apostólica.
Reconhecemos um só batismo para remissão dos pecados.
No Credo Atanasiano:
… O Pai não foi feito de ninguém, nem criado, nem gerado.
O Filho é do Pai somente, nem feito, nem criado, mas gerado.
O Espírito Santo é do Pai e do Filho, não feito, nem criado, nem gerado, mas procedente.
Portanto, há um só Pai, não três pais, um Filho, não três filhos, um Espírito Santo, não três espíritos santos…
Mas também é necessário para a salvação eterna, que se creia fielmente na encarnação do Nosso Senhor Jesus Cristo.
A fé verdadeira, portanto, é crermos e confessarmos que nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é Deus e homem.
Ele é Deus, gerado eternamente da Essência do Pai, e é homem, nascido, no mundo, da substância da mãe.
Perfeito Deus, perfeito homem, subsistindo de uma alma racional e carne humana.
Igual ao Pai com relação à sua Divindade, menor do que o Pai com relação à sua humanidade.
No Credo da Calcedônia:
TODOS NÓS, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar:
Um só e mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo,
perfeito quanto à Divindade, perfeito quanto à humanidade,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem,
constando de alma racional e de corpo;
consubstancial ao Pai, segundo a Divindade,
e consubstancial a nós, segundo a humanidade;
em todas as coisas semelhante a nós, exceto o pecado,
gerado segundo a Divindade antes dos séculos pelo Pai e,
segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação,
gerado da virgem Maria, mãe de Deus…
O mesmo é ensinado em todas as Confissões e Catecismos Reformados, como a Confissão Belga:
Cremos que Jesus Cristo, segundo sua natureza divina, é o único Filho de Deus, gerado desde a eternidade. Ele não foi feito, nem criado – pois, assim, Ele seria uma criatura, – mas é de igual substância do Pai, co-eterno, ‘o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser'(Hebreus 1:3), igual a Ele em tudo. (Artigo 10)
O Segunda Confissão Helvética:
Entretanto, cremos e ensinamos que o mesmo Deus imenso, uno e indiviso é inseparavelmente e sem confusão, distinto em pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo – e, assim como o Pai gerou o Filho desde a eternidade, o Filho foi gerado por inefável geração, e o Espírito Santo verdadeiramente procede de um e outro, desde a eternidade e deve ser com ambos adorado. (Artigo 3)
E a Confissão de Fé de Westminster:
Na unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma substância, poder e eternidade – Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo, O Pai não é de ninguém – não é nem gerado, nem procedente; o Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente do Pai e do Filho.
No vídeo do canal “Dois Dedos de Teologia”, o objetivo do pastor Yago Martins é refutar a posição do Cristianismo histórico e das igrejas reformadas sobre o significado de reconhecer Jesus Cristo como o Filho de Deus, oferecendo uma interpretação alternativa para as passagens bíblicas que falam sobre a geração do Filho.
Ele começa citando textos do Velho Testamento em que há uma relação entre o título “Filho de Deus” e os reis da dinastia de Davi. Com base nisso, ele conclui que “toda vez que o Novo Testamento fala sobre Jesus ser gerado, está falando do processo de ressurreição de Jesus e coroação como rei, que era tipificado em Davi” (ênfase minha). Em outras palavras, ele argumenta que “Filho de Deus” era primariamente um título real especial e que Jesus é chamado de Filho de Deus por ter sido entronizado como Rei em sua ressurreição.
DEUSES E FILHOS DO ALTÍSSIMO
De fato, as passagens que o vídeo cita mostram que há uma relação entre o título “Filho de Deus” e a posição especial desses reis. Contudo, a conclusão correta é exatamente oposta. Jesus não é chamado de Filho de Deus porque esse era um título real. Pelo contrário, os reis eram chamados de “filhos de Deus” porque esse era um título divino! Isso se torna claro quando analisamos o Salmo 82:
SALMO 82
(1) «Salmo de Asafe» Deus está na congregação dos poderosos; julga no meio dos deuses.
(2) Até quando julgareis injustamente, e aceitareis as pessoas dos ímpios? (Selá.)
(3) Fazei justiça ao pobre e ao órfão; justificai o aflito e o necessitado.
(4) Livrai o pobre e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios.
(5) Eles não conhecem, nem entendem; andam em trevas; todos os fundamentos da terra vacilam.
(6) Eu disse: Vós sois deuses, todos vós filhos do Altíssimo.
(7) Todavia morrereis como homens, e caireis como qualquer dos príncipes.
(8) Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois tu possuis todas as nações.
O Salmo 82 começa falando sobre Deus: “Deus está na congregação dos poderosos.” Contudo, o verso 6 diz: “Eu disse: Vós sois deuses.” Aqui muitos podem ficar confusos. A Bíblia não ensina em outras passagens que só existe um Deus? “Assim diz o SENHOR, Rei de Israel, e seu Redentor, o SENHOR dos Exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e fora de mim não há Deus” (Isaías 44:6). “Vós sois as minhas testemunhas, diz o SENHOR, e meu servo, a quem escolhi; para que o saibais, e me creiais, e entendais que eu sou o mesmo, e que antes de mim deus nenhum se formou, e depois de mim nenhum haverá” (Isaías 43:10). Por que, então, o Salmo 82 diz, “Eu disse: Vós sois deuses“? João Calvino explicou:
“No que concerne ao magistrado, o Senhor não somente declarou que este ofício lhe é aceito e agradável, mas também exaltou a sua dignidade com títulos eminentes. Para provar isto, basta dizer que são chamados ‘deuses’ todos os que exercem a função de magistrados (Salmo 82:1), título que não se deve ser tido em pouca monta, uma vez que demonstra que eles receberam um mandato divino, que foram investidos de autoridade de Deus, que representam inteiramente à sua pessoa e fazendo de certo modo as suas vezes. Isso não é uma glosa que inventei, mas interpretação de Cristo, que disse: ‘se a Escritura chamou deuses àqueles a quem foi anunciada a Palavra de Deus’ (João 10:35). Que significa isso senão que eles têm o encargo e a missão de servirem a Deus mediante o seu ofício, e, como diziam Moisés e Josafá aos juízes que eles constituíram em cada cidade de Judá (Deuteronômio 1:16-17; 2 Crônicas 19:6), para exercerem a justiça, não em nome dos homens, mas em nome de Deus? O mesmo conceito é confirmado pela sabedoria de Deus conforme as palavras de Salomão: ‘Por mim reinam os reis, os príncipes mantêm a sua autoridade, e os juízes julgam com retidão (Provérbios 8:15-16). Isto vale como se fosse dito que reis e magistrados exercem sobre a terra a sua autoridade, não por conta da perversidade humana, mas por provida e santa ordenação de Deus, a quem pareceu bem conduzir assim o governo dos homens. Pois é ele que se faz presente e preside a formulação das leis e a reta administração da justiça.” (João Calvino, Institutas da Religião Cristã, 4:20:5)
As palavras do Salmo 82 deixam claro que ele está falando de magistrados e juízes. Por isso, eles são inicialmente chamados de “poderosos” e, logo em seguida, o Senhor questiona, “Até quando julgareis injustamente, e aceitareis as pessoas dos ímpios?” (v. 2) Sendo assim, eles não são chamados de “deuses” (v. 6) porque eles literalmente eram deuses por natureza, mas porque, embora só exista um único Deus (Isaías 43:10; 44:6), os juízes, como representantes de Deus, são chamados pelo seu nome. É sobre isso que o apóstolo Paulo escreveu na carta aos Romanos:
ROMANOS 12
(19) Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor.
(20) Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça.
(21) Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.
ROMANOS 13
(1) Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus.
(2) Por isso quem resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação.
(3) Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela.
(4) Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal.
Em Romanos 12:19, Paulo explica que nós não devemos nos vingar de nossos inimigos porque a vingança pertence a Deus, não aos homens. Ele cita Deuteronômio 32:35: “Minha é a vingança e a recompensa, ao tempo que resvalar o seu pé; porque o dia da sua ruína está próximo, e as coisas que lhes hão de suceder, se apressam a chegar.” Mas se no capítulo 12, ele diz que a vingança pertence a Deus, não aos homens, por que ele diz logo depois, no capítulo 13, que o magistrado é “vingador para castigar o que faz o mal” (Romanos 13:4)? Porque, como João Calvino explicou, os magistrados devem exercer “justiça, não em nome dos homens, mas em nome de Deus“. Por isso, eles são chamados de “ministros de Deus” (Romanos 13:4) e até de “deuses” (Salmo 82:6).
Mas no Salmo 82, esses “poderosos” (v. 1) também são chamados de “filhos do Altíssimo” (v. 6). E assim como o título “deuses” não é próprio deles por natureza (porque a verdadeira natureza deles é humana, não divina), o título “filhos do Altíssimo” também não é próprio deles por natureza. “Deuses” e “filhos do Altíssimo” são, no Salmo 82, títulos divinos sendo aplicados a meros mortais que não são Deus ou Filho de Deus por natureza. Esse é o contraste entre o que é dito no verso 6 e o que é dito no verso 7:
SALMO 82
(6) Eu disse: Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo.
(7) Todavia morrereis como homens…
O contraste aqui é entre os títulos divinos que eles receberam – “deuses” e “filhos do Altíssimo” – e a verdadeira natureza deles, que era uma natureza humana. Isso prova que o vídeo do “Dois Dedos” inverteu completamente a questão. Não é que “Filho de Deus” era um título real especial que foi aplicado a Cristo pelo fato dele ter sido entronizado como rei. É exatamente o contrário. “Filho de Deus” era um título divino, que foi aplicado aos reis porque eles foram entronizados à posição de Deus. Eles não eram deuses por natureza, mas ocupavam uma posição divina e por isso são chamados de “deuses” e de “filhos do Altíssimo”. É o que pressupõe o argumento de Jesus no Evangelho de João:
JOÃO 10
(22) E em Jerusalém havia a festa da dedicação, e era inverno.
(23) E Jesus andava passeando no templo, no alpendre de Salomão.
(24) Rodearam-no, pois, os judeus, e disseram-lhe: Até quando terás a nossa alma suspensa? Se tu és o Cristo, dize-no-lo abertamente.
(25) Respondeu-lhes Jesus: Já vo-lo tenho dito, e não o credes. As obras que eu faço, em nome de meu Pai, essas testificam de mim.
(26) Mas vós não credes porque não sois das minhas ovelhas, como já vo-lo tenho dito.
(27) As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem;
(28) E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão.
(29) Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai.
(30) Eu e o Pai somos um.
(31) Os judeus pegaram então outra vez em pedras para o apedrejar.
(32) Respondeu-lhes Jesus: Tenho-vos mostrado muitas obras boas procedentes de meu Pai; por qual destas obras me apedrejais?
(33) Os judeus responderam, dizendo-lhe: Não te apedrejamos por alguma obra boa, mas pela blasfêmia; porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo.
(34) Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Sois deuses?
(35) Pois, se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida (e a Escritura não pode ser anulada),
(36) Àquele a quem o Pai santificou, e enviou ao mundo, vós dizeis: Blasfemas, porque disse: Sou Filho de Deus?
Aqui os judeus queriam apedrejar Jesus. Por quê? Segundo eles, “porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo”. Mas o que Jesus disse que os levou a concluir que Jesus estava se fazendo de Deus? Jesus não disse: “Eu sou Deus”. Por que, então, eles acusaram Jesus de se fazer de Deus? O próprio Jesus explica em sua resposta: “Vós dizeis: Blasfemas, porque disse: Sou Filho de Deus.” Ou seja, os judeus entendiam que “Filho de Deus” era um título divino e , portanto, que dizer-se Filho de Deus era equivalente a dizer-se Deus. Em outras palavras, eles entendiam que um filho é sempre da mesma natureza de seu pai. O filho de um cachorro é um cachorro, o filho de um gato é um fato, o filho de um homem é homem, e o Filho de Deus é Deus. Por isso, se dizer Filho de Deus era se dizer Deus. Ao dizer que Deus era, por natureza, o seu Pai, Jesus estava dizendo que ele era Deus. Jesus respondeu à acusação dos judeus citando o Salmo 82:
SALMO 82
(34) Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Sois deuses?
(35) Pois, se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida (e a Escritura não pode ser anulada),
(36) Àquele a quem o Pai santificou, e enviou ao mundo, vós dizeis: Blasfemas, porque disse: Sou Filho de Deus?
Para entender o argumento de Jesus, precisamos entender o que já foi explicado neste estudo – a diferença entre ser Deus por natureza e receber o título de “deus”, mesmo não sendo Deus por natureza. O que Jesus está perguntando em João 10:34-36 é basicamente seguinte: “Se, no Salmo 82, os magistrados civís foram chamados de ‘deuses’ e ‘filhos do Altíssimo’, mesmo não sendo deuses e filhos de Deus por natureza, e isso não é considerado blasfêmia, pois é o que a Escritura diz e a Escritura não pode errar, por que, então, vocês me chamam de blasfemo quando eu digo que sou Filho de Deus se, diferente dos magistrados do Salmo 82, eu sou Filho de Deus por natureza, não é um mero título?” Em outras palavras, o argumento de Jesus é que se esses títulos poderiam ser usados no Salmo para se referir a meros mortais, que não eram deuses e filhos de Deus por natureza, muito mais tinham que ser usados para ele que era Deus e Filho de Deus por natureza. O argumento de Jesus pressupõe que esses títulos, que estavam sendo utilizados no Salmo 82 para se referir a meros mortais, pelo fato de serem magistrados, eram títulos propriamente divinos.
Jesus, então, não é Filho de deus porque ele é rei. É exatamente o contrário. Os reis eram chamados de filhos de Deus porque eles ocupavam um cargo divino.
GERADO NA RESSURREIÇÃO?
Como o pastor Yago Martins entende que “Filho de Deus” era primariamente um título real, ele conclui que “a linguagem de ser gerado… indica o início do reinado de Jesus.” Como já demonstramos, essa conclusão está errada porque Jesus não é chamado de Filho de Deus por ser rei, mas são os reis que são chamados de “filhos de Deus” pela mesma razão que são chamados de “deuses”. É porque exercem um ministério que é divino (cf. Salmo 82; Romanos 13). O vídeo cita alguns textos que mostram a relação entre a ressurreição de Jesus e seu reino e, com base nisso, tenta demonstrar que quando a Bíblia fala sobre a geração de Jesus, está falando sobre a sua ressurreição, que foi quando o seu reinado começou. Uma das passagens que ele cita é um sermão de Paulo no livro de Atos. Vamos analisar o sermão na íntegra:
ATOS 13
(14) E eles, saindo de Perge, chegaram a Antioquia, da Pisídia, e, entrando na sinagoga, num dia de sábado, assentaram-se;
(15) E, depois da lição da lei e dos profetas, lhes mandaram dizer os principais da sinagoga: Homens irmãos, se tendes alguma palavra de consolação para o povo, falai.
(16) E, levantando-se Paulo, e pedindo silêncio com a mão, disse: Homens israelitas, e os que temeis a Deus, ouvi:
(17) O Deus deste povo de Israel escolheu a nossos pais, e exaltou o povo, sendo eles estrangeiros na terra do Egito; e com braço poderoso os tirou dela;
(18) E suportou os seus costumes no deserto por espaço de quase quarenta anos.
(19) E, destruindo a sete nações na terra de Canaã, deu-lhes por sorte a terra deles.
(20) E, depois disto, por quase quatrocentos e cinqüenta anos, lhes deu juízes, até ao profeta Samuel.
(21) E depois pediram um rei, e Deus lhes deu por quarenta anos, a Saul filho de Quis, homem da tribo de Benjamim.
(22) E, quando este foi retirado, levantou-lhes como rei a Davi, ao qual também deu testemunho, e disse: Achei a Davi, filho de Jessé, homem conforme o meu coração, que executará toda a minha vontade.
(23) Da descendência deste, conforme a promessa, levantou Deus a Jesus para Salvador de Israel;
(24) Tendo primeiramente João, antes da vinda dele, pregado a todo o povo de Israel o batismo do arrependimento.
(25) Mas João, quando completava a carreira, disse: Quem pensais vós que eu sou? Eu não sou o Cristo; mas eis que após mim vem aquele a quem não sou digno de desatar as alparcas dos pés.
(26) Homens irmãos, filhos da geração de Abraão, e os que dentre vós temem a Deus, a vós vos é enviada a palavra desta salvação.
(27) Por não terem conhecido a este, os que habitavam em Jerusalém, e os seus príncipes, condenaram-no, cumprindo assim as vozes dos profetas que se lêem todos os sábados.
(28) E, embora não achassem alguma causa de morte, pediram a Pilatos que ele fosse morto.
(29) E, havendo eles cumprido todas as coisas que dele estavam escritas, tirando-o do madeiro, o puseram na sepultura;
(30) Mas Deus o ressuscitou dentre os mortos.
(31) E ele por muitos dias foi visto pelos que subiram com ele da Galiléia a Jerusalém, e são suas testemunhas para com o povo.
(32) E nós vos anunciamos que a promessa que foi feita aos pais, Deus a cumpriu a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus;
(33) Como também está escrito no salmo segundo: Meu Filho és tu, hoje te gerei.
(34) E que o ressuscitaria dentre os mortos, para nunca mais tornar à corrupção, disse-o assim: As santas e fiéis bênçãos de Davi vos darei.
(35) Por isso também em outro salmo diz: Não permitirás que o teu santo veja corrupção.
(36) Porque, na verdade, tendo Davi no seu tempo servido conforme a vontade de Deus, dormiu, foi posto junto de seus pais e viu a corrupção.
(37) Mas aquele a quem Deus ressuscitou nenhuma corrupção viu.
(38) Seja-vos, pois, notório, homens irmãos, que por este se vos anuncia a remissão dos pecados.
(39) E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, por ele é justificado todo aquele que crê.
Aqui o apóstolos Paulo pregou em uma sinagoga na Antioquia. Depois de recapitular um pouco da história de Israel (v. 17-22), o apóstolo Paulo começou a falar sobre Jesus e a anunciar o evangelho (v. 23). Sua apresentação do evangelho contém todos os principais pontos do Credo Apostólico – Jesus era o Cristo (v. 25), o Filho de Deus (v. 33), que nasceu (v. 23), padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos (v. 28), foi crucificado, morto, sepultado (v. 29) e ressurgiu dos mortos (v. 30-32) para que recebêssemos a remissão dos pecados (v. 39). Além disso, Paulo faz questão de enfatizar que todos os pontos do evangelho que ele pregava estavam contidos na Escritura do Velho Testamento. No verso 27, ele diz que tudo isso que aconteceu era o cumprimento das “vozes dos profetas“.
O pastor Yago Martins cita essa passagem para dizer que, nos versos 33-34, podemos constatar que a geração de Jesus é a sua ressurreição:
ATOS 13
(32) E nós vos anunciamos que a promessa que foi feita aos pais, Deus a cumpriu a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus;
(33) Como também está escrito no salmo segundo: Meu Filho és tu, hoje te gerei.
Quando analisamos esses dois versículos de maneira isolada, o argumento parece fazer sentido. No verso 32, Paulo fala sobre a ressurreição e, no verso seguinte, no verso 33, ele cita o Salmo 2, que fala sobre a geração. Contudo, quando analisamos o contexto maior, não creio que podemos chegar a essa conclusão.
ATOS 13
(32) E nós vos anunciamos que a promessa que foi feita aos pais, Deus a cumpriu a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus;
(33) Como também está escrito no salmo segundo: Meu Filho és tu, hoje te gerei.
(34) E que o ressuscitaria dentre os mortos, para nunca mais tornar à corrupção, disse-o assim: As santas e fiéis bênçãos de Davi vos darei.
(35) Por isso também em outro salmo diz: Não permitirás que o teu santo veja corrupção.
(36) Porque, na verdade, tendo Davi no seu tempo servido conforme a vontade de Deus, dormiu, foi posto junto de seus pais e viu a corrupção.
(37) Mas aquele a quem Deus ressuscitou nenhuma corrupção viu.
Primeiro, se o termo “gerar” fosse, como diz o pastor Yago Martins, um “termo metafórico para a ressurreição e exaltação de Cristo”, então Cristo não seria o Filho de Deus antes da ressurreição. Quando o Salmo 2 diz: “Meu Filho és tu, hoje te gerei”, a ideia é que ele é o Filho de Deus porque ele foi gerado do Pai. Se a geração é a ressurreição, então ele não seria o Filho antes da ressurreição. Mas isso contradiz inúmeras passagens que confirmam que ele já era o Filho antes de ressuscitar. Por exemplo, no batismo de Cristo: “E eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mateus 3:17). Se Cristo era o Filho de Deus antes da ressurreição, então ele era gerado do Pai antes da ressurreição, e a ressurreição não é a geração.
No meu entendimento, quando Paulo cita o Salmo 2 em Atos 13:33, sua intenção não é dizer que esse Salmo profetiza a ressurreição de Jesus, mas é dizer que Cristo é o Filho de Deus. No verso 32, ele menciona Jesus e a ressurreição, mas é somente no verso 34 que ele começa a apresentar evidências proféticas da ressurreição. É por isso que ele inicia o verso 34 dizendo: “E que o ressuscitaria dentre os mortos, para nunca mais tornar à corrupção, disse-o assim…” A razão é que os versos a partir do verso 34 falam especificamente sobre a ressurreição, mas o verso 33 não fala. Para provar a ressurreição, os textos que ele cita são Isaías 55:3 (v. 34) e Salmo 16:10 (v. 35). O Salmo 2 não é citado para provar a ressurreição, mas para provar que o Cristo (Salmo 2:2) é o Filho de Deus (Salmo 2:7).
Yago Martins também cita Romanos 1:
ROMANOS 1
(1) Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o evangelho de Deus.
(2) O qual antes prometeu pelos seus profetas nas santas escrituras,
(3) Acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de Davi segundo a carne,
(4) Declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos, Jesus Cristo, nosso Senhor
Mas Romanos 1 não diz que ele foi gerado na ressurreição. Diz que ele foi declarado Filho de Deus, o que pressupõe que ele já era o Filho de Deus (gerado do Pai) antes da ressurreição. Na ressurreição, o que ele já era – o Filho de Deus – foi declarado em poder.
QUANDO, ENTÃO, JESUS FOI GERADO?
A Bíblia ensina, como a Igreja sempre reconheceu, que a geração de Jesus é eterna, não é temporal e é por isso que ele não tem princípio, mas sempre existiu como Deus e eterno Filho de Deus. Vamos falar mais sobre isso na segunda parte deste estudo.